mac
3 min readFeb 25, 2021

A máquina por trás da cortina.

Olhe em volta, e preste atenção nos detalhes. Observe a forma como as paredes colidem nas beiradas, e o ângulo que elas formam nas esquinas. A forma estranha das arestas, e a sensação alarmante que rasteja no meio das suas entranhas, quando passa pela sua cabeça a idéia de que todo esse espaço aparentemente invisível é preenchido por ar. Pense no som grave do seu coração, que ressoa dos seus ossos até a sua língua, o fato de que você é uma esponja, uma máquina de carne, um sistema muito bem encaixado de correntes elétricas, que atravessam entre suas orelhas. Isso não parece perigoso?

Não podemos ignorar o quanto tudo é frágil: Um sopro de vento; um passo em falso; um movimento brusco; algumas voltas no relógio; um lapso momentâneo de controle total. Tudo isso é letal, e, mesmo assim… as hipóteses convivem em harmonia.

A natureza familiar de repente parece alienígena, e todas as espécies terrenas assumem uma aparência irregular. O conceito do planeta Terra, de repente, soa como um lugar distante habitado por uma praga asquerosa. Os simbolos universais tatuados no miolo do seu cérebro… por uma fração de segundo, parecem um alfabeto de mentira. As plantas pequenas e as largas, as folhas espessas e as felpudas, a forma como os insetos giram em espiral, como as flores cospem cheiros, como os pássaros se movem ansiosos, como os sapos são sensíveis, como o céu jorra chuva, como o sangue corre pra cabeça (e de volta aos pés) pulsando a película fina que protege seu globo ocular. Como, logo depois desse limite… nada mais está sob seu controle. O toque macio da luz refratada pelas gotas de água, por mais rápido que a gravidade esteja agindo sobre elas, e, mesmo assim, seu cérebro processa isso tudo, ainda dando tempo de sobra pra exclamar “Uau! como isso é bonito”. O fato de que a gente interfere no ambiente só de olhar pra ele só prova aquilo que a gente tem medo de se lembrar: Não existem testemunhas inocentes.

O quão arbitrário eles são ao julgar o que é bonito! Não existe muita matemática. Como a realidade — desse ponto de vista — até que é bem surreal. A situação que você se encontra. Cuidado! (Não perca isso de vista). O fato de que seu casaco tem um buraco pra cabeça, um pra cada braço e uma abertura vertical no meio. O fato que você concordou em atribuir valor numério à força de trabalho, e colocou toda essa expectativa em um punhado de pedaços de papel. A herança teórica, as regras berradas ao vento, o dogma, nossa habilidade de reconhecer padrões. Nossa habilidade de imitar o resto do grupo. O fato inexplicável de que nada disso se perde com o tempo. A magia familiar. Os truques das leis da física. A biologia molecular. A vulgaridade dos números. A matemática por trás da arte, e a paixão por trás da ciência… O lugar deles é atrás da cortina. Se você se atreve a bisbilhotar, se cruza a linha, se perde o sentido ou começa a enxergar razão em tudo — se estiver tentando ver o sol em um microscópio, ou conversando com seus amigos por uma lupa de detetive — boa sorte. Você vai precisar de uma lanterna também.

O jeito assustador como as sinapses caminham por lugares que já passaram antes, quando sentem um cheiro, quando veem um filme, quando se perdem de noite. Como não só os cheiros, cores, sons e gostos andam de mãos dadas, mas sua memória também. Como tudo isso te lembra do conforto macio da mão de alguém, e a atmosfera as vezes parece uma piada interna com um sorriso que pode não mais estar aqui. Observe como estar vivo faz você se sentir como se tivesse engolido uma bomba atômica.

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Written by mac

o universo observável troca de pele e vira ao avesso

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