Parece que se você decide não sair da cama em um dia, o Sol cobra em dobro no próximo. Ele grita com você até a única opção ser a desistência, e te enche o saco por pelo menos uma semana inteira. Ele invade seu quarto, transforma tudo em um inferno, e frita seu cérebro como se dissesse “todo mundo levantou hoje! E você ficou pra trás, no dia de ontem…”. Eu já tentei bastante, mas nunca simpatizei muito por ele. Vou simpatizar mesmo só no dia que eu me levantar e ouvir ele chorando berrando que não aguenta mais, e implorando pra outro astro cobrir o turno dele. O Sol não tem férias, e não tem fases também. Ele é o mesmo todo dia, e isso me assusta um pouco.
Ok, não posso mentir. Eu admiro ele. Eu queria ter esse pé no chão. Eu queria ser um cowboy, queria dirigir um conversível, queria ser o centro das atenções, eu queria fumar Marlboro, queria correr pelo deserto, queria tingir o céu de vermelho sangue, queria ter a solução pra tudo, queria ser o mesmo todo dia, pra sempre, desde o início, até o final dos tempos. Queria estar certo, estar só fazendo meu trabalho, tendo certeza de que sou eu e que é isso que faço. Queria poder acordar no Leste e dormir no Oeste sem mudar nem uma única opinião sobre qualquer coisa que eu vejo lá de cima. Queria não ter nenhuma sombra, e acima de tudo, eu queria que minha recompensa fosse poder dormir no mar.
E ainda tem gente que idealiza a Lua. Normalmente quem vive muito de dia tem curiosidade pra saber o que é que acontece de noite. Mas quem também passou tempo demais acordado de madrugada, sabe que a Lua não tem muito o que dizer, e que na verdade, ela mente o tempo inteiro. Não posso discordar que ela atua muito bem, mas até aí quem convive muito acaba aprendendo, acaba pegando os piores hábitos, acaba descobrindo como ser um personagem novo toda semana. E isso até que podia ser interessante, mas esses personagens se repetem sempre. E são de mentira. A luz da Lua não é dela mesmo, a Lua Nova não é exatamente nova de verdade, ela tem um lado escuro, e ha quem diga que o pouso em 1969 não aconteceu. E ela nem é feita de queijo…
Mas se ela fosse barulhenta e pisasse firme, ninguém ia conseguir dormir. Eu não consigo, porque tenho medo do Sol. Pelo menos a Lua acolhe quem não conseguiu fazer o sacrifício diário de assassinar quem era ontem pra renascer no dia seguinte. Ela acolhe quem é morto-vivo, quem gosta de invocar fantasma, e também quem tem pendência na vida passada. Ela da aula de teatro e mostra umas coisas bonitas. A Lua deixa a gente apontar telescópios sem se machucar (faz isso com o Sol e ele te deixa cego). É no silêncio total que a gente escuta os melhores sons, e é no céu de noite que a gente vê as estrelas. Os gatos gostam dela, os cães uivam, e o mar dança. Quem não se sente bem renascendo a mesma pessoa todo dia debaixo do Sol, acaba aprendendo a fingir ser outra debaixo da Lua.
No fim mesmo são só astros muito maiores do que eu e você, e eu nem sou ninguém pra falar nada deles. Mas também são só isso, só astros, são eles mesmos e nada mais do que isso. A gente pelo menos pode ser um pouco de cada. Eles não podem fazer a pazes, não podem se conhecer, não podem se encontrar, e se odiariam, na verdade. Assim… se você parar pra pensar, é até bem chato lá em cima.