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6 min readOct 14, 2020

“As aplicabilidades da Manobra Immelmann na vida moderna (pt. II)”:

O Planeta Terra dá uma volta inteira e chega no mesmo lugar todo ano. Eu tento continuar em pé, mas a gravidade, as estações, a propriedade das relações humanas que fazem a gente continuar por aqui… Tudo isso tem me deixado tonto, e eu não consigo decolar se vocês não estiverem comigo. Aqui estamos de novo, um ano depois, mas no mesmo lugar por onde passamos da última vez que a gente deu essa volta. Essa é a parte onde a primavera começa a mostrar seus primeiros sinais vitais na mesa do operador… e coloca vital nisso. Ela faz questão de todo mundo ter certeza que está vivo, e que a superfície do corpo humano é só carne crua, com uma tonelada de sentimentos do lado de dentro. Ela faz questão de fazer as pessoas ficarem atraídas umas pelas outras, ela faz questão de fazer tudo o que a gente prendeu no chão sair voando pelo ar em um tornado. Tem sangue sendo jogado de um lado pro outro, e o atrito do ar no meu ouvido faz barulho demais, mas isso sempre foi música pra mim. Eu fecho os olhos, e a vida passa no meio deles. Eu tenho que admitir que gosto disso.

Mas vamos ficar em silêncio por um minuto ou dois, ou três, ou vinte. O suficiente pra gente ver um filme, se você quiser. Se você prestar atenção, da pra ouvir a voz de quem quer que esteja na torre de comando, e ele está chamando seu nome. Só falta nossos lugares preenchidos, e a primavera não vai esperar. A estação sintonizada no momento não mente, ela está chamando seu nome no rádio também, e é hora de levantar vôo. APERTA O SINTO. Chegou aquela hora do ano. É a hora de decolar. As turbinas fazem barulho, elas puxam tudo que está em volta pra dentro, e a força centrípeta te puxa pra trás. A gente decola, sem querer, e quem quiser reza meia duzia de palavras. O céu fica amarelo, antes do sol ir embora. As flores que crescem são amarelas, as abelhas tem listras amarelas, e seu dente fica amarelo se você fumar demais. Se você bebe demais, percebe que tem alguma coisa muito bonita nas bolhas voando no meio das ondas amarelas. O tempo é amarelo também. As roupas que você comprou pela internet provavelmente são amarelas. Você quer ter certeza de que dessa vez a queda não vai machucar tanto assim. A gente voa baixo dessa vez. Eu sei que é difícil, mas tenta não falar muito alto, tem gente que não gosta.

Eu gosto, não vou mentir. O cheiro das flores, dos insetos, da tensão idiota que a chuva faz antes de cair… Eu me identifico com isso tudo. Eu sou parte disso. Aqui nesse hemisfério o halloween é na primavera, mas ainda é meu aniversário. Isso significa que, nesse ponto, estamos passando pelo meu inferno astral. Eu gosto de ficar do lado da janela, vendo isso tudo pelo meu telescópio. É a parte do ano que eu aprendi a identificar como minha casa, e eu acho mais confortável na minha cama.

Aqui estamos de novo, na superfície da Grande Bola de Golfe, girando pelo espaço pra todas as direções, igual um fidget spinner. Estamos em outro lugar na linha do tempo dessa vez, mas isso não me impede de lembrar de algumas coisas. Eu sinto saudade de ter 16 anos, e cada vez mais eu sinto saudade da criança que morreu ano passado. Mas ao mesmo tempo… eu nunca senti ela tão viva aqui dentro. Isso é bom. Agradeço a seleção natural por deixar minhas sinapses viajarem pelo buraco de minhoca que a gente chama de memória. E é por aí que eu sou sugado — quando chega essa parte do dia eu tento fazer parecer que tem alguma coisa sob meu controle — mas a gente sabe que hoje em dia é tudo automático. Quando eu era menor eu queria ter aprendido a tocar bateria, mas meu pai disse que era melhor focar em outra coisa, porque “no futuro vai ser tudo eletrônico”. Ele não estava errado, hoje em dia é tudo automático. Menos meu coração, que, talvez por nunca ter aprendido a tocar bateria, faz uns solos irados ainda, as vezes, e cada vez mais alto. Que viagem! Gente morre, mas fantasma continua no bolso, se você deixar eles por lá. Continua entre cada palavra que a gente escreveu, em cada coisa que a gente disse, e, acima disso tudo, no coração de todo mundo que a gente fez bater. Eu gosto da música.

Eu estou voando alto agora, mas meu coração está batendo junto com os peixes grandes. Eu estou imerso nos sentimentos que eles tanto falam, e estou achando muito divertido. Vocês nunca vão entender, mas essas canções de amor cresceram junto comigo. Agora a gente tem idade pra fazer o que quiser… e na minha cama é mais cofortável.

Dessa vez eu não comecei outubro com o pé esquerdo, e muito menos com o pé direito. Também não foi fazendo um handstand, não foi dando um mortal pra trás, e não foi saltando um tanque de tubarões com uma motocicleta. Eu comecei outubro fazendo um truque muito mais divertido. Eu não sei se o Buster Keaton era do tipo que se apaixonava com muita frequência, mas eu tenho certeza que ele se machucaria menos que eu se fizesse isso. Eu não sou um profissional, eu sou um amador em todo sentido que você conseguir entender disso se você se esforçar um pouquinho. Eu amo fazer as coisas que eu faço, essa época do ano me faz gostar muito do fato de que eu ainda estou vivo. Mas isso eu, o Buster Keaton, o Jimi Hendrix, D. B. Cooper… um monte de gente tem isso em comum. A gente gosta de fazer o que a gente faz, a gente faz pros outros verem, a gente faz parecer que é na intenção de que alguem vai se machucar feio depois, mas… eles provavelmente não se machucam. Eu estou tentando aprender a arte desse jogo, com uma faca entre os dentes, mas é mais difícil do que eu imaginava. Eu devia ter escolhido outro emprego.

Eu odeio ter que colocar isso em palavras. Quem conhece meu estilo sabe que eu prefiro as formas, prefiro as cores, prefiro o movimento, o som, o olhar, eu prefiro os sinais de rádio que a gente manda quando boceja, e todo mundo em volta te imita inconscientemente. A literatura infelizmente é limitada, ela se limita a não fazer barulho. Palavras normalmente ficam escondidas dentro de livros, e o significado delas fica nas entrelinhas. Eu já falei quase tudo que eu precisava, mas ainda é muito estranho pra mim quando eu olho em volta e vejo que ninguém entendeu. Se eu morrer amanhã fazendo um stunt desses, eu queria que todo mundo entendesse a mensagem. Eu só estou tentando falar sobre o tanto que eu amo todos vocês. É música pop, sem a parte da música. Sobra a carne crua. Espero que vocês gostem.

E, nesse ponto, a literatura já é terreno conhecido. E vocês conhecem meu estilo. Eu não gosto da zona de conforto. Ela deixa minha pele pegajosa, ela me deixa desconfortável. As palavras, os livros, esses simbolos que a gente chama de letras, esse cojunto deles que a gente chama de linhas, e o significado entre eles. Isso aí que a gente chama de entrelinhas. Eles tem o péssimo hábito de ficar esperando, em um livro ou na tela do computador. Não é assim que eu jogo. A fotografia e a arte perturbam as frequências de luz, e te obrigam a sintonizar com elas. E som é vibração. Música meche com todo mundo em volta, e você nem precisa estar olhando. Eu sou barulhento. Ainda assim existem outros sentidos, e eu queria que vocês me acompanhassem aqui:

Vocês estão sentindo esse cheiro? Acho que vai chover hoje.

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Written by mac

o universo observável troca de pele e vira ao avesso

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