Enquanto os dias escolhem a adaga perfeita para uma sessão de assassinatos, eu antecipo um contra-ataque. À medida que você vive em alta velocidade, é inevitável aprender a decifrar os padrões do universo, e perceber que ele não é tão especial quanto você.
De repente, me pareceu estranha a ideia de que eu estava aqui esse tempo todo. Eu senti meu mundo pendurado por um tendão fino, em um globo de gás mostarda e sangue coagulado. Eu comecei a invejar as teclas brancas do piano. Me distraí por alguns segundos. Alguém me perguntou: “Qual sua memória de infância favorita?”. Eu respondi que não conseguia pensar em mais nada além de televisão, prédios caindo, colapso econômico e terrorismo. Meus dedos escorregaram para a outra extremidade do teclado, e pra enfatizar minha narrativa, eu toquei um som grave e dissonante. Eu sempre fui muito bom em fazer drama, é coisa da espécie, é coisa do signo, e é coisa do sangue também. O bom disso é que eu nunca tive dificuldade em chamar atenção. Eu nasci com uma falta estúpida de habilidade em comunicação tradicional, os sinais nunca foram bem sintonizados, o que normalmente faz todo mundo olhar pra mim, mesmo quando isso é desconfortável. Me fez aprender a me comunicar de forma não tradicional também - por meio de figuras de linguagens, formas, morse, e telepatia - O foda é que eu nunca fui muito de falar sobre eu mesmo. Mas eu era bom de escrever, era bom de desenhar, exagerava muito bem, e pra ajudar nisso, sempre fui extremamente criativo.
Quando eu era bem pequeno, eu troquei todo meu sangue por tinta. Eu não sou médico, mas acho que isso faz mal.
Eu sou um pássaro com os olhos vendados voando sobre a mesa de jantar. Mas eu juro que meu objetivo não é incomodar ninguém. Nunca foi desviar a atenção de ninguém de nada que estivessem fazendo, mas as vezes eu acho que eu sou a mancha preta no arco-iris.
Quando eu tinha 17 anos, eu aprendi a andar de skate. Até hoje eu não aprendi a andar direito, mas aprendi um monte de outras coisas no caminho, dando uma volta no quarteirão. Acho que isso é um bom sinal, mas quem vai dizer isso é você. Eu não digo nada. Eu só falo as coisas, e quem decide o que vai ser feito com isso… é você. É assim que funciona a literatura. Meio preguiçoso da minha parte, olhando por esse lado, mas quando eu tinha 17 eu decidi que não queria trabalhar em um escritório. Era arte, ou morrer aos 27, enforcado na minha própria gravata. Eu escolhi a primeira opção. Ironicamente a que vai doer mais, talvez.
As vezes eu me sento no mundo material, mas não consigo encontrar nenhuma posição confortável. Subtâncias e suas formas me deixam com dor de cabeça, e eu tenho medo dos objetos em movimento. Outro dia me lembrei do bloco sólido de ar que preenche todos os espaços “vazios” entre as coisas, e tive uma crise de ansiedade. Eu juro que se eu não conseguir desfazer todos os nós do meu cérebro eu vou acabar enfiando minha cabeça no liquidificador.
Eu sei uma coisa ou outra sobre amor. Não sou nenhum profissional, mas vi filmes o suficiente pra saber que ele é a resposta pra tudo, e que não responde nada também. Os beatles usaram a palavra “amor” 613 vezes em suas músicas, mas o John Lennon usava o adjetivo “cósmico” pra falar das músicas do Paul McCartney que ele não queria admitir que eram boas. “Amor” é só um conjunto de quatro letras entre um monte delas no dicionário, e dizem que ações valem muito mais que palavras. Eu concordo. Nada escrito vale tanto. Palavra nenhuma existe de verdade.
Felicidade é a palavra que a gente escolheu pra simbolizar uma sensação parecida com aquela de jogar um monte de bolinhas amarelas escada abaixo. Não da pra explicar, é só uma emoção mesmo. Você vê tudo caindo, espera elas pararem, e bate palma no final. Então desce para recolhe-las, e joga tudo de novo.
:^)
Dizem que não da pra colocar os braços em volta de uma lembrança, e eu até que concordo. Elas que colocam o braço em volta de você, ou melhor, os tentáculos, e depois engolem sua cabeça, cuspindo só os dentes depois. Elas mastigam seus olhos, sugam toda a cor dele, e quando você se da conta, ficou o ano inteiro parado vendo a tinta da parede descascar.
Eu queria poder voltar pra casa mais vezes com a sensação de dever cumprido, porque esse sentimento meio que me alimenta. Mas isso nunca acontece quando você é um mestre em deixar tarefas pela metade. Nunca concluir uma linha de raciocínio, nunca acabar um texto, encher o tanque pela metade, beber meia latinha de refrigerante. Eu vivo pela metade, como se eu tivesse uma mania de querer entender um pouco de tudo, e eu acabo nunca entendendo absolutamente nada que eu sei. Eu só sei o suficiente pras pessoas acharem que eu entendo, mas no fundo mesmo não tem absolutamente nada aqui dentro. Acho que eu sou o que vocês chamam de superficial.
Quer me entender? Contrata um eletricista. Eu não sou o profissional adequado.