Lennon/Caulfield/McCartney

(ou “Como Deixar a Cena do Crime”)

mac
15 min readSep 5, 2019

“Soon we’ll be away from here…
Step on the gas and wipe that tear away” - Lennon/McCartney, 1969

ALGUMAS LEMBRANÇAS DE QUANDO A GENTE SE DAVA BEM FAZENDO O POUCO QUE CONSEGUIA (pt. 2):

Agora falando de flashbacks de novo. Eu sei que esse assunto deve ser muito chato, porque no fim das contas ele é fundamentalmente sobre experiencias pessoais, e independente do tanto que eu fique tentando falar delas, nunca vai ser algo muito fácil de entender. É igual quando alguém acorda e corre super empolgado pra primeira pessoa que encontra no café da manhã, pra contar o sonho super interessante que teve. O ouvinte nunca fica muito entretido, ele olha pra torrada, depois pro café… e fala algo genérico, como um vago e vazio de significado “interessante…”, e depois esquece completamente do que você falou, se é que ele ouviu mesmo pra começo de conversa. Mas a culpa nem é dele, na verdade. Não tem como saber exatamente como o sonho foi, nem se aquilo aconteceu de fato, e sinceramente, quem liga se aconteceu de fato? É a porra de um sonho. Na verdade é óbvio que não aconteceu de fato! é tudo entretenimento, um devaneio do subconsciente pra te distrair de noite, e você não acordar…

O SACRIFÍCIO DA CRIANÇA INTERIOR:

“Theo, você deveria ler o Apanhador No Campo de Centeio, você é igualzinho o protagonista” … Eu ouvi essa frase algumas vezes, e, uau, vocês não fazem ideia do tanto que isso me deixava puto. Isso, obviamente, quando eu tinha lá meus 14 anos e nunca tinha realmente lido o livro ainda. Na verdade eu lembro de tentar ficar o mais longe dele o possível, realmente fugia como se ele fosse um serial killer. Mas não era sem motivo. Eu fui criado ouvindo Beatles, e diziam que esse livro literalmente matou o John Lennon. Tudo que eu lia sobre ele era algum comentário sobre o tanto que a narrativa despertava ódio, sobre como ele era um tipo de Ode Suprema à Angústia, como ele, na verdade, era um “gatilho criado pela CIA que despertava assassinos para matar os inimigos do Estado” (!). E eu ouvia The Clash, também. Eu queria ser o inimigo do Estado. Ouvir que eu parecia o personagem principal me deixava realmente frustrado, como se eu estivesse fazendo algo de errado. Na verdade nem era isso. Eu nunca nem quis ser inimigo de ninguém. Infelizmente, eu sou um desses idiotas que acreditam no amor. Eu culpo principalmente meus pais, por terem me criado ouvindo Beatles, e os Beatles, por terem usado a palavra “amor” 613 vezes em suas músicas. Meio engraçado essa coisa de amor. Ela aparece 613 vezes por dia em todo canto que a gente olha, mas no final das contas fica por lá mesmo, pra maioria das pessoas. Mas eu ainda tento plantar ele por aí. Apesar de que usar o amor para encarar os problemas ao longo do meu crescimento nunca me serviu pra absolutamente nada, nunca nem mesmo deu algum fruto ou ensinamento que eu pudesse colher, tirando vários aprendizados sobre inseguranças, medo de rejeição, fobias sociais… Mas eu não posso fazer nada sobre isso, afinal sempre foi a única coisa que eu tinha, e eu aprendi a gostar. E eu descobri que amar é como jogar boliche descalço, só usando meias. Dizem que é perigoso.

Mas também me ensinaram muita coisa sobre ódio. Me disseram que eu tenho que lutar contra o tempo, tenho que vencer os desafios, tenho que acabar o ensino médio, tenho que batalhar pelas coisas que eu quero, tenho que sacrificar coisas que eu gosto. Mesmo que isso me machuque. Mas essa ideia, essa droga dessa ideia, que um monte de filme e videogame tem tentado me vender… Já ocupa um pedaço tão grande do meu subconsciente, que de vez em quando eu ainda me pego achando muito bonito não precisar do meu coração pra viver. Isso eu culpo a bomba atômica, e a televisão, também. Mas é bom saber que minha vida não é um filme de guerra. Eu não estou competindo com ninguém além de mim mesmo, então não vejo motivo em vencer. Eu gostaria de declarar um empate: as duas partes concordam, a gente faz as pazes e ninguém se machuca.

Mas crescer é como colocar uma criança na cadeira elétrica. Ou, se você preferir a moda antiga, degola-la com um sabre em cima de uma montanha. Enquanto o sangue escorre pela sua mão, ou os seus miolos fritam e sobe um cheiro amargo de queimado, você sacrifica toda sua infância em troca de um passo importante pra algum lugar que você nem sabe onde é. Na maioria das vezes, crescer é assassinar um velho amigo em troca de cinismo, um emprego, responsabilidades, mas, acima de tudo, em troca da permissão pra esquecer todos os sonhos que algum dia você teve quando era menor. Não é pra qualquer um, e definitivamente não é pra mim. Mas eu descobri que muita gente consegue, na verdade. Pra quem acredita no amor, existe esse tipo de suposta verdade absoluta de que todo mundo acredita nele também, já que ele é tão disseminado por aí. Existe essa falsa ideia de que todas as outras pessoas estão sempre prezando pela ação mais pura possível, sendo que isso é só uma escolha pessoal mesmo. Na verdade é uma minoria que realmente acredita nisso. Você cresce e descobre que isso é só um ponto de vista sobre as coisas, só mais um ponto de vista mesmo, mas vende tão bem que qualquer um idiota atrás de paz de espírito compra. Eu fico nesse dilema, entre jogar boliche de meia e assassinar minha criança interior. É quase como viver andando na corda bamba. Algum dia eu chego lá do outro lado, só espero que não seja cedo ou tarde demais quando acontecer.

Mas antes que eu me distanciasse demais de onde eu vim, eu decidi voltar um pouco, passar por lá bem rápido, pela última vez, antes que fosse tarde demais. E de uns dias pra cá eu entrei em um processo de busca por todos os lugares onde eu já estive (e que eu gostaria de ficar um pouco mais se meu tempo não estivesse acabando). Eu revisitei todas as cenas de crime. Ouvi muita música, reli um montão de livros, revi vários filmes. E acabei achando meus piores hábitos ali mesmo, em uma caixinha lotada de cultura pop, cheia de coleções de idéias nunca concluídas, claramente montadas (com peças de Lego) por uma criança dos anos 2000, tipicamente criada por pais que eram adolescentes nos anos 70, e que passou tempo demais na frente da TV, no meio de filmes em VHS, discos de rock, brinquedos de plástico do McDonalds fabricados na China, corações quebrados, boletins horríveis, e uma noção totalmente deturpada e mal aplicada de tudo que foi aprendido sobre sentimentos que não cabem mais nos dias de hoje, como o tal do “amor” e do “ódio”. É uma pena ter que deixar isso tudo pra trás. Não queria ter que matar nenhum amigo, mas parece que vai ser inevitável.

MAS PRA ONDE OS PATOS VÃO?:

Mas enfim, no meio dessa saga de retrospectiva, eu me lembrei de alguns anos atrás quando eu tinha 15 e acabei lendo o Apanhador No Campo de Centeio pela primeira vez. Eu resolvi dar uma chance na época, e foi em um momento que ele não poderia ter se encaixado melhor, foi quase como se eu tivesse aprendido alguma coisa. Na verdade foi quase como se ele dissesse coisas que eu já estava pensando há muito tempo. Acho que o mais bonito mesmo foi que ele não me ensinou absolutamente nada novo, sabe. De repente, eu conheci alguém passando por algo parecido com o que eu mesmo estava passando. Eu descobri um livro que também falava algo sobre amor, também falava algo sobre não querer ser inimigo de ninguém, mas de um jeito agressivo, pouco óbvio, e com um tipo de humor de fachada pra esconder uma melancolia e uma angústia terrível. Eu nunca me senti em um lugar tão familiar. Mas a melhor parte, pra mim, foi o fato de que ele não admite nada disso, hora nenhuma. Ele não vende o amor, então não da pra qualquer idiota comprar, mesmo. Mas ele ama, sim. Ele ama nas entrelinhas, ele reflete sobre chapéus de caça, patos na lagoa, os apóstolos, luvas de baseball, as damas na última fileira, sobre sexo, sobre a vontade de fugir da cidade, quase bucólico, e quase arcadista… Tudo isso de um ponto de vista tão ingênuo e infantil que você quase acredita que foi escrito por uma criança.

O Apanhador No Campo de Centeio acaba sendo um tipo de Peter Pan pra quem já está velho demais pra ler Peter Pan. É o Pequeno Príncipe no Planeta Terra, e é um livro sobre crescer, mas pra quem ainda não cresceu, também. Se você é um adulto e tenta entender o Apanhador, você acaba fazendo algo estúpido, tipo assassinar o John Lennon. Eu reli ele esses dias, depois de quatro anos sem nem olhar pra capa, e o que me deixou tão feliz foi que aquilo me pareceu um momento bem distante, algo que eu deixei no passado mesmo, chegando quase a ser desconfortável. E isso significa que eu cresci, que eu troquei de pele. Então eu sorri e pensei “caramba, eu acho que entendi tudo de novo”. E foi ai que eu percebi que talvez eu não tenha crescido nada, também… Mas ele é algo disso, mesmo. É um livro que conforta quem ta sozinho demais em um tipo de limbo entre ter um monte de opiniões e não fazer ideia do que quer, entre ser um adulto e uma criança, e, principalmente, entre odiar absolutamente tudo e sentir uma paixão doente por todo mundo que você conhece.

AME COMO UM GOLFINHO…:

A vida é como um oceano escuro cheio de segundas intenções, buracos negros, maldições eternas e nenhum baú do tesouro. Talvez até existam alguns, mas não vale a pena gastar seu tempo atrás deles… Normalmente quem encontra algum é porque conseguiu só pelo acaso mesmo, pura sorte de principiante. Se eu fosse vocês eu não pensaria nisso. Desde que inventaram as moedas de ouro isso tem atrapalhado de algum jeito nosso foco por aqui. Não vamos nos distrair do objetivo principal… Mas quem disse que tem um objetivo principal? Eu estava apenas brincando. Vocês fazem o que quiserem, eu não sou a mãe de ninguém. Não existe tanto significado assim, a gente está à deriva, e, enquanto você estiver respirando, ainda está submerso. Não sou desses de acreditar em destino, e não vou te ensinar nada sobre isso. Eu só aprendi a usar minha intuição como bússola, pra me locomover nesse mar absurdo de sangue.

Desculpa, eu não quis te assustar. Vamos começar de novo.

A vida é como um oceano.

Vamos parar por ai. O lado bom dele ser tão escuro é que ninguém sabe o que é que vai aparecer na próxima esquina. Eu te prometo que se você soubesse, você cairia fora. Tem algo muito bonito nisso. A vida as vezes é como um filme de terror slasher que a gente assiste pelo susto, e quem é esperto sabe dar risada do próprio medo e depois seguir em frente. Deus é um serial killer, e, ao mesmo tempo, é um puta de um apresentador de reality show. Não tire os olhos da tela. Essa é a minha parte favorita:

A vida é como um parque de diversão, e está aberta pra visitações quando você quiser. Amar é saber disso, ser como um golfinho e aproveitar essa regra não escrita que te garante que se a vida também é como o oceano, ela está a sua disposição esperando que você utilize dessa liberdade. Amar é naturalmente se levantar sabendo que existe alguma coisa lá fora pelo que vale a pena sorrir. Surfe nas ondas. Se divirta um pouco. Tire um dia pra você mesmo. Pega leve.

…MORDA COMO UM TUBARÃO:

Mas eu ouvia The Clash. Eu fui aprendendo que viver era lidar com caos, mas minha única arma era o amor. Uma arma um tanto quanto inútil na corrida diária, e nas batalhas navais do mundo moderno. Pelo menos foi o que me disseram depois.

Eu ainda não estou pronto pra afirmar isso com tanta certeza, mas talvez crescer seja uma questão de saber que algum dia eu vou ter que caçar com meus próprios dentes. Espero que seja só isso mesmo, porque eu não quero ter que parar de me divertir aqui em cima. Meu conselho é… Ame como um golfinho, mas morda como um… ah, vocês já sabem o resto. Então, faço das palavras do Joe Strummer as minhas:

Aqui vai outro conselho pra vocês, pequenos punks…

Riam da vida, pois não há muito pelo que chorar. Vivam agora, pois não há muito pelo que morrer.

O GRANDE ASSALTO:

P: Qual é a semelhança entre piratas, golpistas, fotógrafos de guerra, pilotos de corrida, paraquedistas, poetas, assaltantes de banco, skatistas profissionais, dublês, serial killers, rockstars, professores, gurus espirituais e artistas de circo?

R: Nenhum deles escolheu fazer o que faz. Eles fazem porque nasceram pra isso. São todos freelancers, de certo modo. Esse tipo de gente encaixa melhor em um estilo de vida baseado em pequenas chances de arriscar a vida ganhando muito dinheiro. Tirando o Serial Killer, esse não liga pro dinheiro. E o poeta e o professor, que nem ganham tanto assim. Mas pra todos, é só performance, performance mesmo. Entretenimento. Todos eles estão escondendo alguma coisa, e todos tem algo para te mostrar.

P: Qual é a diferença entre uma charada e um poema?

R: Nenhuma. Os dois se sustentam em um equilíbrio perfeito entre serem claros o bastante pra todo mundo entender, e enigmáticos o suficiente pra ninguém conseguir. É um truque de mágica. Uma ilusão mesmo. E se alguém achar que entendeu e vier cheio de orgulho falar que te descobriu, você da outra resposta. Essa é a graça.

Eu tenho ficado cansado de viver nas entrelinhas. Eu sou muito bom em me esgueirar pelas palavras em busca de significados ocultos, e metáforas e figuras de linguagem, mas chega uma hora que isso cansa. Você esquece de ver o panorama geral de tudo e começa a achar que tudo quer dizer alguma coisa. Você começa a enxergar coisas pelos cantos dos olhos, coisas que você nem deveria ver. Quem vive entre substantivos, adjetivos, parágrafos e pontuações acaba crescendo meio paranoico mesmo. Quem vive desse jeito começa a achar que todo dia é um espetáculo, começa a dar importância pra um monte de bobeira do dia-a-dia. Quando você se da conta está tentando ver o Sol por um microscópio, e então, em uma terça-feira qualquer, entre o café da manhã e o almoço, os planetas se alinham, os céus anunciam um milagre, Jesus Cristo volta pro planeta Terra, e os cientistas da NASA preveem um fenômeno astronômico daqueles que só acontecem de mil em mil anos. Você começa a achar que tem algo especial acontecendo. Você começa achar que tem algo de especial acontecendo com você, você se sente o protagonista de um filme, você começa a acreditar que é o centro do universo. E aí é quando da tudo errado.

Então vou ser bem claro agora… Vamos tornar isso aqui um massacre.

Eu tenho entrado em pânico constantemente sob a sensação de que meu tempo está acabando. Por um tempo eu achei que estava tendo algum tipo de premonição da minha morte. E na verdade eu descobri que nem estou errado. De certa forma, sacrificando essa criança na cadeira elétrica, eu estou sim perto de acabar algo, mas pelo menos vou começar tudo de novo. Crescer é uma merda, mas a gente só descobre isso quando já se percebe no meio do caminho, e aí já é tarde demais. E as vezes eu penso em viajar no tempo e dar um montão de conselhos pro Theo de 11 anos de idade, porque eu queria que alguém tivesse me avisado algumas coisas antes. Um dos sentimentos mais ambíguos de todos é o de chegar no final de uma década. O sentimento vago de ver uma coisa concluída e não poder voltar atrás, sem saber se foi bom ou não.

A ARTE PERDIDA DE DEIXAR A CENA DO CRIME:

Mas o pior sentimento de todos é esse de acabar um ciclo com o mesmo sentimento que você teria se tivesse acabado de roubar um banco. Os pés pesados com culpa, o arrependimento, segundos pensamentos, todo o sangue derramado, as mãos soterradas em moedas de ouro… mas só ouro mesmo. É terrível sair de um banho de sangue com nada mais do que um punhado de fantasmas no bolso do casaco, e quarenta ou cinquenta corvos pretos no lugar do coração. Te faz pensar que não valeu a pena, que você não aprendeu nada com seus erros. Eu sou um péssimo piloto de fuga, eu nunca sei dar no pé da cena do crime sem deixar um silêncio constrangedor, ou fazendo um espetáculo exagerado. Mas se tem alguém que sempre se encontra nessa situação de sair sem se despedir, esse alguém sou eu, e nesse ponto, eu já devia ter aprendido o que fazer. Já até tentei escrever sobre truques de escapologia, afinal, tenho conhecimento prático na causa. Se tem gente que gosta de ver filme, então eu coleciono créditos finais.

Pra mim, não existe nada mais aterrorizante do que a paisagem do rescaldo de um campo de guerra, a fachada da escola que eu estudei quando era criança, ou um cemitério. Esse tipo de coisa me quebra por dentro, me deixa enjoado mesmo. As vezes parece que eu só lembro que as coisas acabam quando elas estão chegando no fim. Eu sou muito nostálgico. A parte que eu menos gosto do dia é quando eu tenho que voltar pra casa.

Mas sou terrível com finais. Eu tenho esse fascínio pelo apocalipse, mas sou terrível com finais. Eu sempre me pergunto se tenho que tirar alguma lição de tudo que eu finalizo. Outro dia eu cheguei a conclusão que é inevitável, da pra aprender alguma coisa de absolutamente tudo que acontece, e eu queria ter descoberto isso bem antes. Eu teria me jogado de cabeça de um monte de penhascos, porque se tem uma coisa que me motiva é aprender alguma coisa.

Pra falar a verdade eu nem sei como acabar esse texto também.

Vai ser muito difícil fazer esse tipo de sacrifício. A vítima vai ter que estar desacordada.

FÁBULA PRA LER ANTES DE DORMIR:

Era uma vez um jeito de voltar pra casa. Ha 50 anos atrás, uma gangue de besouros ficou famosa por realizar golpe atrás de golpe, ao longo de toda a década de 60. Eles já tinham cabelos grandes, mas, em certo ponto, fumaram maconha com o Bob Dylan e deixaram crescer mais ainda, pelo simples fato de que não deviam mais nada a ninguém. Começaram a tomar LSD e depois fugiram para a Índia caindo, eles mesmos, em outro tipo de golpe. Perto do final da década, com o dinheiro descendo pelo ralo e algumas brigas internas prestes a estourar, acabaram em um processo burocrático que rendeu um último grande assalto, só pra garantirem alguns milhões e se despedirem do público pela última vez. No rescaldo da guerra, um dos besouros foi cheio de ressentimento acumulado ao longo de uma década inteira pra um estúdio caseiro, gravar, sozinho, um golpe cheio de lamentações sobre a morte precoce da sua mãe e a ausência do seu pai, crises existencialistas, indagações sobre deus, criticas ao capitalismo, e sua nova redescoberta sobre o tal do “amor”. Ele seguiu nessa saga de introspecção até 1980, tentando se redimir de todos os crimes que fez ao longo da década anterior, até atingir um breve momento de paz. Mas foi interrompido por quatro tiros nas costas e um adulto segurando uma cópia do Apanhador No Campo de Centeio.

em 1971, o outro besouro estava exausto da burocracia e da imprensa todo dia na porta da sua casa em Londres querendo saber qualquer coisa sobre o fim da gangue. Eu acredito que ele também se sentia como se tivesse acabado de fazer seu último grande assalto. Ele virou vegetariano, comprou uma fazenda imensa no interior da Escócia, e gravou, sozinho, um golpe extremamente libertador. Um monte de músicas com um ar meio bucólico e arcadista, músicas rurais sobre cachorros e cavalos, ovelhas, sobre “dar uma volta”, “viver um pouco”, sobre sua infância feliz, sobre transar no banco de trás do carro. Criticou a postura do outro besouro de se levar a sério demais. Eles acabaram fazendo as pazes em algum ponto, mas não houve muito mais tempo para qualquer outra coisa.

Em 1970, o besouro George gravou “All Things Must Pass”.

Acho que cada um escolhe seu jeito secreto de lidar com créditos finais.

Essa foi lição de moral, se você quiser aprender alguma coisa.

(shhhh… acho que ele dormiu…)

CRÉDITOS FINAIS (HIDDEN TRACK):

Queria conseguir acabar as coisas sem ter que fazer esse espetáculo, mas no momento eu me sinto como aquela criança na cadeira elétrica. Eu gosto de performance, mas não vou matar ela dessa vez… Não vou conseguir. Na verdade, vou deixar dormir. Desculpa por criar toda essa expectativa.

Eu dedico o meu último grande assalto da década pra todo mundo que já quebrou meu coração. Eu queria muito não esquecer vocês e ficar aqui mais um pouco, mas meu tempo acabou, já estamos em 2020. Vocês não vão gostar de ler isso aqui, e doeu mais em mim do que em vocês (podem acreditar), mas TUDO ACABA ALGUM DIA.

E o tempo passa rápido, então não desperdice.

Eu agradeço meus pais e meu irmão, por terem me criado ouvindo Beatles. Agradeço a quem já bebeu comigo, a quem já jogou videogame comigo, a quem lê o que eu escrevo, e a todas as pessoas que estiveram envolvidas nos meus filmes favoritos. Na verdade, agradeço a todo mundo que fez parte desses últimos 10 anos. Obrigado pela carona, vocês são pilotos de fuga bem melhores do que eu. Eu invejo todo mundo que eu conheci que conseguiu desaparecer sem se despedir.

Foda-se a academia. Obrigado pelo prêmio, mas eu não fiz nada mais do que a minha obrigação.

Aplausos. Desce a cortina. Chamem a polícia... Vejo vocês ano que vem.

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o universo observável troca de pele e vira ao avesso

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