o fim do mundo e de todas as coisas que a gente conhece.

mac
3 min readApr 12, 2020

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…eu puxei o zíper do meu casaco pra cima, e amarrei meus sapatos. Enquanto eu preenchia meus bolsos com minhas próprias mãos, todas as pessoas em volta olharam diretamente pra mim, com seus olhos amarelos e línguas bifurcadas, e falaram ao mesmo tempo: “Vamos te desmontar, tijolo por tijolo…”

Fiquei preocupado, arranquei meu pé esquerdo fora e andei com o direito. Pulei de volta pra casa, fazendo o sinal da cruz e me arrependendo dos meus pecados, tentando não pisar em nenhuma rachadura. Passei por um gato preto debaixo da escada, que parecia estar fazendo a mesma coisa, depois que eu quebrei aquela vitrine. Poxa vida, que bom que eu não pisei em nenhuma rachadura. Comecei a listar todas as coisas que eu odiava, e neguei dinheiro pra um mendigo. Não tinha tempo pra isso… o mundo estava acabando.

Liguei a televisão, depois de umas horas procurando o controle remoto. Um homenzinho de terno começou a falar, segurando uma bandeira branca em uma mão, e dizendo “SOS” em código morse, com uma lanterna que ele segurava na outra. Os planetas se alinharam, os céus anunciaram um milagre, Jesus Cristo voltou pro planeta Terra, e os cientistas da NASA previram um fenômeno astronômico daqueles que só acontecem de mil em mil anos. A Terra entrou em rotação contrária, a mão invisível do mercado deixou a bolsa de valores cair no chão, espalhando todos os Valores pela calçada. Os velhos começaram a chorar e fazer amizades. Pessoas novas começaram a usar sapatênis e reclamar de dor na coluna. Quem estava com fome comeu os próprios dentes, e quem não tinha dente começou a sorrir. A grama começou a crescer azul, o azul começou a crescer vermelho, e o vermelho entrou na puberdade, e cresceu pra todos os lados. O vento começou a soprar de baixo pra cima, e o céu ficou de cabeça pra baixo. Todas as superfícies materiais ficaram ao avesso, e as entranhas dentro delas se mudaram pra parte de fora. Me veio na cabeça uma questão. Se a entranha chama “entranha” porque ela fica do lado de dentro, se ela ficasse do lado de fora chamaria “estranha”?

Mas pessoas não estavam interessadas em nada disso. Talvez alguns mamíferos de pequeno porte estivessem, mas nenhum deles me contou nada. Mas as pessoas, elas tinham medo de umas coisa só: O Sol estava caindo, e a lua tinha aprendido a voar.

Fui dormir como se nada tivesse acontecido.

Acordei no dia seguinte, e era tudo diferente. era tão diferente que o calendário marcava outro dia. Fui atrás do Rei Dos Lagartos, o Deus Do Fogo e da Grande Fênix Na Montanha perguntar o que eu tinha perdido. Chegando lá, eles me contaram que o Sol morria todo dia, o mundo acabava, e começava tudo de novo.

Eu puxei o zíper do meu casaco pra cima, e amarrei meus sapatos. Enquanto eu preenchia meus bolsos com minhas próprias mãos, todas as pessoas em volta olharam diretamente pra mim, com seus olhos amarelos e línguas bifurcadas, e falaram ao mesmo tempo: “Vamos te desmontar, tijolo por tijolo… e depois vamos reconstruir, de um jeito melhor que nunca!”. Rimos um pouco, e eu chamei eles pra dar uma volta no parque, e depois tomar um sorvete. “Pode botar na minha conta”, eu disse, no caixa.

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Written by mac

o universo observável troca de pele e vira ao avesso

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