Piloto de Fuga n° 1

mac
2 min readJun 28, 2019

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Toda corrida começa com essa hesitação esquisita mesmo, o motor quente, o silêncio inebriante, as bandeirinhas, as mãos suando gelado no volante… Sorte nossa que isso passa bem rápido no relógio. O azar é que o tempo é relativo, e só sobra pra viver mesmo a parte da ansiedade, da dor de estômago, o calafrio, a expectativa. A corrida mesmo acontece como se não fosse nada. Quando a gente se da conta já são quase 4 da manhã e o estrago já foi feito, a poeira abaixa, os copos estão vazios, a noite é escura, o gelo derreteu, metade do pessoal já foi pra casa e ninguém tem mais nada pra falar. Cada um toma seu rumo na madrugada, troca uma ideia com o silêncio e finge que nada aconteceu na manhã seguinte. Acho que a adrenalina entorpece a gente de um jeito que faz parecer que aquilo tudo existiu só em um sonho estranho muito distante, quando a gente olha em retrospectiva. A gente acaba ficando sem saber se aconteceu mesmo ou se viu em um filme. E a adrenalina viaja nos vasos sanguíneos mais rápido do que eu gostaria. Ela aposta uma corrida com as hemoglobinas e deixa tudo meio confuso. Só não ganha o primeiro lugar porque o álcool é mais rápido.

A outra coisa que sempre sobra com muita presença é a tal da saudade. Eu escrevi algo sobre isso ano passado, mas esqueci de falar do tanto que ela é perigosa. Arrisco em dizer inclusive que é mais perigoso ficar parado recordando a sensação da força centrípeta e do peso do pé no acelerador do que viver em alta velocidade. A Primeira Lei de Newton abre uma brecha pra gente infringir a inércia, e é quase como se fosse uma lei mandando a gente quebrar uma regra primordial do universo. Mas do mesmo jeito que quem não se mexe fica pra trás, quem vai rápido demais fica sozinho.

Eu tive que aprender a viver no piloto automático, porque desde pequeno meu pedal é pesado demais, e volta e meia eu tinha que descansar o pé, parar no acostamento e tirar um cochilo. O asfalto me deixa doente, ele corre embaixo dos nossos pés cortando igual uma lixa, ou igual ao céu de noite cheio de estrelas. Por isso eu vivo dormindo no volante, sem saber se vou acordar em alta velocidade ou com o carro capotado… Ah, mas quando eu sonho com alguma coisa que já aconteceu de verdade é sempre com muito carinho.

Lembra de olhar pra pista, segurança sempre em primeiro lugar. Aperta o cinto. Desliga esse celular, ler no carro vai ter dar náusea. Eu já perdi a linha de raciocínio, de qualquer jeito…

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Written by mac

o universo observável troca de pele e vira ao avesso

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