QUANTOS VOLTS TEM UMA SINAPSE?
“Pro meu próximo truque… eu vou fazer comunicação virar água!”
Aqui estamos de novo. Na linha do cruzamento, onde tudo pode fazer sentido do outro lado. Em um instante você esmaga carvão, com o dedo mindinho e o polegar. Você desenha você mesmo, com os imãs da geladeira. Onde você poderia estar! Quem você poderia ser? Lá fora, do outro lado da rua, tudo cresce de um jeito ameaçador — Onde o ar parece uma faca, e o céu é cinza. As nuvens se constroem como uma torre, em cima da sua cabeça. Não era pra gente estar lá em cima? As linhas telefônicas sussurram umas pras outras, elas conversam em um alfabeto místico, e, derrepente… a cidade parece uma serra elétrica. Crescem barras nas janelas. Cresceram barras horizontais entre as moléculas de oxigênio, e o mundo de repente é uma grande gaiola. Eu mordi meu misto-quente, e senti um retrogosto de veneno. — Você solta os dedos, e cai um diamante. Valeu a pena, a dor?
As adagas da cidade, os filtros por onde passam a gente na escola, as navalhas que cortam os lados de quem não se encaixa no lugar que decidiram que a gente deveria ficar… Elas estão mais afiadas do que nunca. Tem gente morrendo debaixo do nosso nariz. Você não sente o cheiro de sangue? O medo que sustenta os muros que constroem em volta de gente, o gosto amargo da pilha velha que misturam no nosso cereal, e do veneno de rato no café da manhã. Eu lembro de quando eu tinha uns 10 ou 11 anos, sentei no chão com meus brinquedos, debaixo de uma cabana que eu fiz com meus cobertores, e me senti no lugar errado pela primeira vez na vida. O que aconteceu aqui? Até ontem esses olhos de plástico tinham tanta vida quanto eu. Ontem qualquer coisa tinha vida se eu quisesse, mas nessa manhã, debaixo do barulho da televisão, eu tentei interagir com eles… e não obtive resposta. Eu mandei uma mensagem pra deus, e a foto dele sumiu, logo em seguida. Será que a gente não está se esforçando demais pra sentir alguma coisa? Feche os olhos e olhe em volta. Abra os olhos e tente não perder o foco.
O que eu faço é culinária. Ou alquimia. Tem várias palavras no dicionário, e eu jogo elas em um caldeirão de ferro, e fervo com um pouquinho de apelo sentimental. Eu faço um milkshake insano. A digestão começa na língua! Começa nas coisas que você já viu, nas pessoas que você conheceu… A digestão começa de onde você veio! Começa do lugar que conecta no sentimento mais intimo que você conhece, e percorre pelo cordão umbilical. Começa no frio na barriga. No sentimento de se apaixonar denovo, seja por uma menina, um menino, um livro que alguém escreveu, seja a colisão que os ângulos das paredes da sua casa formam! A reação começa com o frio na espinha. Começa com a parte que a gente cai da montanha-russa. Começa com os medos que a gente tinha quando era criança, e termina quando eles matam a gente, quando a gente cresce. Tem muita coisa que a televisão ensina, e essa não é uma delas.
A digestão começa na lingua que você fala. Os ingredientes estão na política. Começa com as cores que você conhece, e — a não ser que você tenha visão infravermelho — são só sete. Os sons são poucos também. Mas pelo mais incrivel que pareça, o sentimento é infinito. Isso a matemática da escola não ensina.
Pro meu próximo truque, eu vou fazer comunicação virar água: Magia, pra mim, é transformar o tic-tac do relógio em beat. Magia, pra mim, é encontrar sentido no vento, no passo, na buzina, nas conchas do mar, nos astros, nas ondas sonoras, na borracha, no açucar e no detergente. Mágica pra mim é causar impressão, e não me importo se o truque é em um quadro ou no skate street. Incrível, pra mim, é a capacidade que a gente tem de dar sentido pra tudo, e o fato de que mesmo assim a gente não acredita em mágica. É se apaixonar pelo olhar de alguém. É entender a ciência complexa do comportamento líquido que as palavras tem dentro de uma roda de conversa, é saber o peso e o gosto delas, é amar a reação química entre as pessoas. É amar o fato de que, friamente, são ondas. Elas perturbam um nervo no seu ouvido, ou o fundo da sua retina. É ação e Reação. Amor, pra mim, é encontrar significado nas cores e nas formas, que, rigorosamente, são Circulo, Quadrado, Triângulo, Cima, Cima, Baixo, Baixo, Esquerda, Direta, Quadrado, Xis. o cruzamento entre eles..
Aqui estamos de novo. Na linha do cruzamento, onde tudo pode fazer sentido do outro lado. E ainda assim, você prefere se jogar na frente do primeiro ônibus que passar, do que tomar alguma decisão. Lembra quando a gente cruzava o céu? Quando a gente crescia pra todas as dimensões? Quando a gente ia de um lado pra outro da cidade, se locomovendo em largura, altura, profundidade e tempo! E quando, no final de cada percurso, a gente deixava o tempo ir?
Quem, em pleno século 21, liga pro ódio? Quem liga pra inveja? Já passei do ponto de achar que é uma corrida. Eu deixo o tempo correr, do jeito que ele quiser, e se precisar eu tiro umas fotos. E deixar o tempo ir é um trabalho difícil. Envolve conhecimento de anatomia. Envolve matemática. Envolve suor, sangue, ácido de bateria, e um controle remoto. Envolve eletrochoque! Envolve um susto diferente toda vez que você faz uma sinapse. :-)