Algumas pessoas carregam belos colares no pescoço, outras carregam a lua pendurada por um fio dental no coração, com um estilete afiado a poucos centímetros embaixo. Uma linha curta que corta cada vez mais na medida que o tempo amarra. Tornei a sensação de estar no lugar errado em um ornamento, e poucas casas atrás eu me via agora como um corpo frio no chão. Eu deveria estar feliz por ainda ter 36 graus? Isso não tem me ajudado muito. Aos poucos se torna clara a necessidade de calor humano.
Não tem farol na estrada, abraço apertado, chuva torrencial ou mês de dezembro que coloque essas lágrimas na coleira. Meu último suspiro vem junto com uma massa de ar que coloca meu corpo a prova. Meu último suspiro vem com a raiva que eu sinto diante de um espelho. Meu último alivio vem diante do calor que sinto quando alguém me ama de volta, mas até que ponto isso deixa de ser letal? Sempre acaba rápido. Ninguém aqui quer depender disso. Ninguém aqui quer machucar ninguém. Somos a responsabilidade de carregar um punhado de carne sobre os ossos, e toda a corrente elétrica passando entre uma multidão de pessoas. Ou dois corpos nus, pelo menos.
As vezes a vida é o abraço sólido de um muro de concreto. O peso dessa poeira toda nos bolsos faz a gente se questionar se realmente saberia estar a sós com um céu estrelado. Sou eu e o mundo inteiro, me respondendo a gritos por ajuda, no eco do que eu estou gritando pra ele com todo o ar que me sobra. Eu, um compasso, uma lupa, e o manual das escoteiras. Tantas coisas sendo aprendidas atrasadas dão um trabalho, mas tenho me dado bem com isso, porque ninguém aqui sabe se localizar no escuro, também. A gente apaga as luzes, e espera a lua fazer o resto. De repente, tudo faz sentido. A única coisa que eu nunca vou ter registrada em fotografias antigas é um momento de carinho entre pessoas iguais a mim, então só me resta imaginar. Cheiro de mofo, histórias em quadrinhos, algumas garotas cobertas pela luz da televisão. Pipoca no chão, e risadas abafadas pela promessa de que vamos tentar não acordar ninguém. Segunda-feira tem aula, mas hoje é sábado e não precisamos dormir. A primeira que acordar acorda a outra?
Nem as cartas que eu carrego na manga, o colete a prova de balas, os pequenos desajustes que colecionei até aqui, a aprovação de pessoas enterradas, as pequenas impressões de pessoas que passaram pelo pescoço, nada disso me salvaria de uma pergunta sem resposta. Ainda mais de uma que não estou preparada pra fazer. Eu estou procurando por um bolso onde posso colocar as mãos. Estou procurando pelo abraço de mim mesma, porque isso não posso dar. Estou procurando não olhar pra espelhos. Estou procurando em outra pessoa por uma versão de mim que não me trate igual lixo. Estou procurando alguém que me abrace enquanto a chuva cai la fora, porque eu não posso fazer isso por mim.
Em algum motivo eu confundi isso com paixão. Paixão eu tenho é por acordes com sétima, pelo primeiro vento frio que chega em maio, por beats rápidos, pelo meu gato e meu cachorro, pela sensibilidade dos animais, por tapetes enfeitados, e por frutas vermelhas. O que eu tenho procurado em outras pessoas é uma justificativa. Testemunhas.
Meia noite e trinta e três, diante das patas de uma esfinge. O que existe de mais brilhante no mundo sob os pés. Códigos decifrados, estetoscópios nos ouvidos e chuva torrencial. Os dentes fazendo acrobacias com a língua. Nenhuma voz pra se ouvir. Será que eu deveria voltar voando pra casa?
Nada mudou. Mesmos problemas, pronomes diferentes.