theo (mac)
5 min readJan 4, 2024

um texto sem titulo (intermissão)

Tenho a impressão que todas minhas tentativas de criar alguma narrativa sobre o que eu sinto, e sobre as pequenas impressões que eu já tive na vida das coisas em volta de mim, estiveram submersas por muita mística, muito ruído e muita falta de clareza até agora, talvez por um medo que até então sempre tive. Medo de encarar a vida do meu próprio ponto de vista. Sempre achei máscaras muito confortáveis. Eu acho que nunca fui tão sincera comigo mesma, nunca cresci tanto em tão pouco espaço de tempo, e nunca fui tão longe quanto nesses últimos meses. Tão longe assim, que as vezes parece que dei uma volta completa.. tenho me perdido e me reencontrado o tempo inteiro, me encostando nas costas, me identificando no espelho. Estou desfazendo muitos nós.

Ironicamente, hoje de manhã olhei pro meu rosto, e pela primeira vez em muito tempo identifiquei uma familiaridade que não via ha muito tempo. E digo que isso é irônico porque pra maioria das pessoas eu tenho estado irreconhecível. Ironia também, porque o primeiro texto que postei aqui é sobre isso, e agora é meio surreal o fato de que faz tanto tempo que eu tive 16 anos. Não somos muito diferentes, eu mudei bastante, mas acho que estou de volta, apesar de nunca ter recebido tantos olhares confusos na vida. Percebo pela forma que me tratam, pela surpresa no ar de estar ocupando um espaço que nunca esperaram que eu ocupasse. Tenho falado de coisas que, pros outros, nunca me pertenceram. Tenho me pegado volta e meia cantarolando a musica Sitting in My Hotel, do Kinks, e tentando tirar ela de ouvido no piano. (SEVEN STORIES HIGH… LOOKING AT THE WORLD GO BY)

Essa última semana no hospital me pegou de surpresa. Esses últimos meses foram uma batalha, que deixariam essa garota de 16 anos que falei anteriormente orgulhosa, e quem me acompanha aqui sabe que tudo que fiz até agora foi por ela. Criei coisas, causei impressões, bateram palma pra mim e eu voltei pra casa meio bêbada e rindo alto, pra um pós no Tim Bilhares, ou no Bar do Zé Luis. Tem um texto meu em algum lugar sobre um personagem que apareceu em um sonho meu uma vez. Era um cartunista que vivia dentro de um museu, construído numa carcaça de baleia, projetado pelo Gaudí. Todo mundo chama ele de Rei de Sojo. Sojo não era um país, então ele era rei por mérito próprio. O trabalho dele era fazer as pessoas rirem depois de lerem um monte de tragédia no jornal, domingo. Sua criação mais conhecida era “Eric” um personagem inspirado no seu schnauzer de estimação. No sonho, o Rei estava na fila de espera da eutanásia. Tinha feito seu trabalho, e agora escrevia uma lista com seus últimos pedidos. Tenho me pegado pensando nesse personagem, também, que pra mim representa algo que talvez eu nunca vá sentir na vida. Alguém em paz, com sua própria conclusão, com um ponto, em cima de um império criado pela coisa mais legitima do mundo… histórias em quadrinho sobre seu próprio schnauzer. Uma vida completa.

Não me levem a mal, eu não tenho nenhum problema com isso. Acho admirável que tem pessoas reais com essa perspectiva sobre a vida. De que existe uma existência unitária, de que existe algum tipo de objetivo, que acreditam que um dia vão tirar os sapatos, final feliz, dizer uma frase de efeito, olhar pro sol se pondo, e fade-out, créditos rolando. Como já disse antes, minha existência é na transição. Eu sou um B-roll eterno. Ou uma intermissão.

E aqui estou eu, falando desse jeito místico, de novo. Chega a ser engraçado, o tanto que caio nessa auto paródia o tempo todo, já virou uma piada interna. Enfim, vamos colocar o pé no chão de novo.

Eu nunca fiz planos pro futuro porque até agora era muito difícil imaginar um futuro em que eu ocupasse algum espaço, já que tem sido difícil fazer isso no presente. Pela primeira vez na vida, estou tornando esse deslocamento a minha própria casa, e o futuro parece un pouco mais real, um pouco mais brilhante, e um pouco mais meu.

Minha cabeça tem estado dividida entre pensar obsessivamente sobre teoria musical e em toda essa questão da transição. Ainda estou tentando entender isso tudo. Sabiam que existe uma forma de enxergar a base fundadora da escala diatônica como sendo o modo lídio? Juro que isso é interessante.

Existe também um jeito de pensar na minha existência até agora como completamente valida, sem ignorar nada que aconteceu, apesar de ainda olhar pro meu passado de forma negativa, as vezes. A melhor parte disso tudo é que eu sempre fui muito confortável em ter controle sobre o que aconteceu antes. Isso eu sempre tirei de letra. Meu problema era não saber lidar com o presente, e, por consequência, com o futuro. Agora existir é um pouquinho mais confortável. Não vou dizer que a realidade é perfeita, mas é isso, tem sido um pouquinho mais confortável, e ficado um pouquinho mais a cada dia que passa. Vou contar uma história real pra vocês agora:

Era uma vez uma menina muito pretensiosa, com muita gente em volta pra aplaudir toda vez que ela falava uma besteira, e com muita gente em volta pra bajular ela, porque, convenhamos, ela até que era uma adolescente bonitinha. Ela era muito tímida, e muito insegura com o próprio corpo. Tinha um senso de humor muito peculiar, porque o que mais achava graça era numa forma meio absurda que a realidade se apresentava as vezes. Achava engraçado quando as pessoas falavam sério, olhava pras pessoas na rua e criava personagens delas, imaginando histórias e nomes. Sua brincadeira favorita era desenhar rostos e inventar nomes. Era muito inteligente, também, mas não tem muitas memórias do ensino médio porque dormia a aula inteira. Não vou dizer que era talentosa, porque não fazia nada de forma muito excepcional, mas era admirada porque fazia do jeito dela. Tocava guitarra com as cordas invertidas, porque era canhota. Usava sapatos de cores diferentes. Tinha um cabo p2 num colar, como um pingente, que inventava que tinha um significado diferente pra cada pessoa que perguntava. Era muito rápida em dar respostas, responder com perguntas, desviar de assuntos, criar palavras, brincar com a língua e inventar histórias. E gostava desse jogo, porque era escorpiana e canhota. O único dom dela na verdade era ver as coisas com uma sensibilidade que a maioria das pessoas não tinha. Via tudo, por escolha, por uma lente artística e poética, porque era assim que o mundo fazia sentido pra ela. Ela era uma esteta. Uma dessas pessoas que poderia ser o David Bowie, ou o Bob Dylan, ou o Jimi Hendrix, e ninguém nunca saberia porque talvez tenha nascido no lugar errado, na hora errada. Com o corpo errado também.

De repente, se eu olho pra trás pensando que o passado sempre foi assim, com esses pronomes, parece até que eu nunca me odiei profundamente, que foi tudo sempre uma unidade muito coesa e muito bonita. De repente é fácil falar sobre mim mesma de forma positiva, com sinceridade. De repente eu posso imaginar que eu também vou ter um fade out e créditos rolando.

A maior parte disso tudo é descobrir de repente que, agora que estou encaminhando pra estar no lugar certo, vou ter que ser muito mais cautelosa com minha própria vida do que jamais planejei ser. Igual o espelho do primeiro texto que eu postei aqui, estou vendo o mundo como meu reflexo. Se eu finalmente tenho um pouco de carinho comigo mesma, vou ter com o resto também. Vai dar tudo certo.

theo (mac)

o universo observável troca de pele e vira ao avesso